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quarta-feira, 13 de julho de 2011

DISLEXIA será mesmo um presente?


Depoimento de um portador

Eu sempre quis ser diferente. Não queria ser assim como sou, ou pelo menos gostaria de ter ficado pequeno, criancinha, pois até aí eu podia ser alguém... e alguém mais feliz. Meu mundo era mágico, o sol brilhava em meu caminho e eu seguia confiante, ouvia todos dizerem “olha só como esse menino é inteligente, ele tem cada resposta!”

Eu tinha amigos, brincava, sentia o amor dos meus pais e até do meu irmão caçula e, quando não estavámos engalfinhados numa disputa qualquer, deixando minha mãe meio doida...

Era divertido, eu ensinava alguns truques para ele e via em seu olhar admiração pois eu era maior, mais forte e mais esperto.

Fui para a escola, eu adorava aquele lugar, gostava mesmo, eu me lembro... Eu tinha tantas coisas pra fazer, me sentia importante; meu irmão ficava em casa louco da vida, sabendo que eu estava me divertindo.

Eu achava um barato aprender as coisas, lembro que no carro com minha família eu me sentia tão importante porque ia lendo as propagandas que via pelo caminho - do meu jeito é claro, e até ensinava alguma coisa pro meu irmão. Bons tempos...

Minha letra não era boa, falavam. A professora dizia que eu tinha um pouco de dificuldades, mas que era normal, que eu ia melhorar, era uma questão de tempo, apenas. Sei lá, eu não achava nada. Só me divertia.

De repente, as coisas não estavam mais divertidas, tudo foi ficando muito mais complicado, parece que eu não era tão esperto assim! Eu não conseguia fazer as coisas direito, a professora pedia pra minha mãe me ajudar em casa, a gente bem que tentava, mas não dava muito certo.

Tudo foi piorando não sei como e nem por que, mas eu comecei a ter certo medo de ir à escola, pois às vezes meus próprios amigos riam de mim, mas eu não estava zoando, eu achava que tinha dado o meu melhor!!!!

Nessas alturas meu irmão já estava na mesma escola, dois anos atrás de mim. Eu já não era o bom, mas ainda era melhor que ele.

Quando fui pra a quinta série, comecei a sentir algo próximo do pavor, era um monte de livros, um entra e sai de professores que escreviam tanta coisa na lousa - devia ser pra me azarar, e eu quase nunca conseguia acompanhar, muito menos copiar.

O tempo foi passando e minha situação piorando cada vez mais. Olha a coisa era assim: quando eu conseguia me lembrar de fazer uma lição de casa, eu me esquecia de levá-la pra escola e tomava bronca. Se levava a lição eu fatalmente esquecia do material, ou levava os da aula errada e... tomava bronca!

Não conseguia prestar atenção na aula, sei lá eu não controlava a minha cabeça, ela vivia em tantos lugares... E confesso que em lugares mais interessantes que aquela chatura de aula, que eu não entendia nada mesmo!

Comecei a ser os três “D”: desligado, desleixado e desencanado da classe e pior, de minha casa. Eu tentava, gente, mas sei lá, tudo estava ficando cada vez mais complicado, eu já tinha professor particular, minha mãe e meu pai se revezavam pra me ajudar a estudar e acho que também se revezavam pra me dar broncas....

E eu... já não sabia o que eles queriam de mim, nem aqueles chatos dos professores que se uniam pra me perseguir. Comecei a sentir raiva, ou será que era impotência? Queria largar mão de tudo, mandar tudo pro inferno. Bicho, a escola era tudo que eu não queria! Eu só gostava do recreio, lá ainda era alguém, ainda tinha amigos e eu era forte, comecei a brigar quando me zoavam, aí comecei a frequentar a sala da diretora.

No começo todos falavam que eu era o bom de matemática, eu via o orgulho no olhar do meu pai, que dizia “esse menino puxou a mim.” Quanto tempo não vejo esse olhar...

E o pior é ver a angústia de minha mãe que sempre disfarçava, tentava achar desculpas pra mim e me defendia principalmente quando meu irmão chegava com aquele boletim, o desgraçado só ia bem!

E eu... só comecei a querer sumir...
Eu soube ali o que era inveja, eu soube o que era desejar muito que ele sumisse, não me envergonho de dizer.
A estas alturas eu já tinha repetido de ano e meus pais brigavam na escola pra não acontecer de novo, eu os escutava comentando que se eu repetisse outra vez, meu irmão ia me alcançar.
Se desse eu sumia da vida!

Um dia. Cansados de tentar “trocentos”professores particulares, na verdade eu que odiava escola, fazia duas: uma, aquela maldita que eu queria que uma bomba explodisse nela e outra à tarde com professores particulares, além do inglês, outro tormento “eu não sabia ler, nem escrever em português, quanto mais em outra língua, isso era demais!

Enfim meus pais descobriram que eu não era burro, não era vagabundo, nem irresponsável, não era que os três “D”ficaram resumidos a um?

Disléxico! Caracas, eu pensei na hora “será que é um alívio?” Fiquei pensando que tudo só mudou de nome. Senti uma mistura de alívio, com um quê de estranheza e mais medo.

E agora o que eu faço com isso, o que vai mudar? Eu já não acreditava em mais nada, só queria fugir de mim mesmo, dos olhares de raiva, de dó, de desânimo que via nas pessoas ao meu redor. Será que eu ainda tinha conserto? Isso é dislexia e ainda me dizem que é um presente, um dom?

Se é, não foi assim pra mim.
Mas sinto uma esperança nascendo, eu quero crescer... Quero sentir de novo aquele olhar de orgulho dos meus pais, quero disputar novamente com meu irmão, quero minha vida de volta.
                                                                                                                                 
Tânia Freitas
tania@abcdislexia.com.br
Fonte ABCDislexia

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