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quarta-feira, 13 de julho de 2011

O fracasso dos jovens frente ao processo de leitura e escrita: suas causas, implicações e consequências.


Dentre os distúrbios de aprendizagem, nota-se com maior frequência e intensidade a deficiência na aquisição e desenvolvimento da leitura e da escrita. Em nossa prática de consultório, atendendo crianças, adolescentes, jovens adultos, bem como os próprios pais, são comuns as queixas acerca da pouca eficiência do saber ler e escrever. São comuns ainda, queixas de professores sobre estas dificuldades, ou seja, quão pouco eficiente os jovens se encontram em relação à linguagem oral, quão pouco domínio eles dispõem da verbalização adequada como instrumento de comunicação e, o mesmo ocorrendo com o domínio da leitura e da escrita.

Relatos são conhecidos sobre alunos que não aprendem Matemática, História, Ciências, etc., não por serem portadores de dificuldades específicas nas referidas áreas, mas por faltarem-lhes o instrumental básico, na leitura a possibilidade de compreensão, a capacidade para interpretar, abstrair, inferir e estabelecer relações entre os fatos contextuais e na escrita o domínio da língua (da micro à macro estrutura), a capacidade para relacionar os dados e redigi-los de forma clara e coerente, respeitando os manejos gramaticais pertinentes e básicos à redação.

A leitura e escrita são processos muito complexos e as dificuldades podem ocorrer de maneiras diversas. Além disso, temos a aquisição da leitura e escrita como fator fundamental e favorecedor dos conhecimentos futuros; é uma ferramenta essencial, ou mesmo a estrutura mestra onde serão alicerçadas as demais aquisições. É apoio para as relações interpessoais, para a comunicação e leitura de seu mundo interno e externo.

Uma criança que não tenha solidificado realmente sua alfabetização, poderá se tornar frustrada diante da educação formal, terá deficitário todo seu processo evolutivo de aprendizagem, apresentará baixo rendimento escolar e pouco a pouco sua auto estima estará minada, podendo manifestar ações reativas de comportamento anti-social, bem como levá-la ao desinteresse e muitas vezes até a evasão escolar.

O problema da dificuldade na leitura e na escrita pode ainda decorrer em outros secundários, que acabarão se tornando tão ou mais graves daqueles originais que produziram a ineficiência da alfabetização.

Diante deste fato, objeto de queixas de educadores, pais e profissionais ligados à área, torna-se difícil distinguir onde se encontra a falha, seja de ordem da dinâmica individual, seja de ordem do meio, ou seja, devido à síndrome psicossocial, onde estão envolvidas as três vertentes ao mesmo tempo: o indivíduo, a escola e a comunidade.

A fronteira determinante destes aspectos é frágil e tênue; muito se tem discutido e pesquisado, todavia são apontadas poucas conclusões efetivas e menor parece ser a possibilidade para ações preventivas a todas as implicações do universo da aprendizagem.

Iniciando pela análise da dinâmica do indivíduo, este terá sucesso na aquisição da leitura e escrita dependendo da evolução maturativa e equilibrada dos aspectos fisiológico, emocional, intelectual e social.

Consideramos um indivíduo realmente alfabetizado não apenas quando mecanicamente decodificar sons e letras, isto é, quando puder transpor os sons para as letras (ao escrever) e das letras para os sons (ao ler), mas de forma efetiva quando tiver automatizado o processo, sem precisar recorrer a todo instante aos passos necessários a esta atividade; e sobretudo quando puder se utilizar desta habilidade para obter outros conhecimentos; para assimilar e montar esquemas internos que o permitam transformar os elementos brutos da realidade e que possa operacionalizar o processo contínuo de sua própria alfabetização (já que ela não é um fim em si mesma), e da aprendizagem enquanto um todo.

Ajuriaguerra aponta que enquanto este processo permanece no limiar do voluntário, seu desenvolvimento é irregular e forçado; quando se automatiza, a leitura e a escrita se tornam fáceis, livres e muito rápidas.

A aquisição depende da oralidade, da aprendizagem da fala, que na criança parece evoluir a partir da compreensão da linguagem (linguagem interna) para a efetiva expressão da mesma (fala). Chomski coloca que não basta: “Penso, logo existo”, mas “Falo, logo penso, logo existo!”.

Para desenvolver os estágios superiores da linguagem: a compreensão da palavra impressa (a leitura) e a expressão da palavra impressa (a escrita), a criança precisa (além de ter sedimentado de forma harmoniosa as etapas da oralidade), ser capaz de articular todos os sons da língua, o que normalmente se determina aos seis anos (observadas as diferenças maturacionais de cada indivíduo). Requer ainda a ampliação e domínio do universo vocabular.

Outra etapa necessária que precisa ser vencida é a capacitação para analisar as palavras em seus segmentos subsilábicos, isto é analisar os sons, que as compõem. Esta possibilidade é a chamada consciência linguística ou fonológica. Sabemos que até os seis anos, observando sempre as características individuais, a criança só consegue segmentar palavras em sílabas, a partir desta idade passa a poder segmentá-las nas unidades mínimas: as vogais e consoantes; quando essa habilidade ocorrer podemos afirmar que a criança passa a ter uma consciência metalinguística da mesma, a consciência fonológica, que a permite analisar a palavra mais eficientemente.

Ainda sob o viés do indivíduo, temos como outro aspecto importante para garantir este processo, que a criança tenha um nível suficiente de habilidades específicas como: o desenvolvimento da motricidade geral, da integração sensório-motora (esquema corporal, lateralidade, sentido de direção, conceito de direita e esquerda, ritmo, orientação espaço-temporal), das habilidades perceptivo-motoras (visão, audição, memória,...).

Estas capacidades precisam ser estimuladas, já que contribuem para a viabilização do processo da leitura e escrita, ou impõem-se como impedimento para a aquisição do mesmo.

O atraso específico na leitura pode ser de natureza de déficit cognitivo, especificamente na esfera da capacidade verbal. A. F. Jorm (em Psicologia das Dificuldades em Leitura e Ortografia) postula que um componente particular parece estar associado às dificuldades de leitura, é a capacidade de lidar com informações fonológicas na memória.

Outro aspecto que merece ser analisado refere-se à compreensão do texto. Sabe-se que há uma estreita relação entre a capacidade da leitura mecânica e a possibilidade de compreensão, assim sendo a criança que apresenta pouca eficiência na leitura, consequentemente apresentará dificuldades severas na compreensão do que lê.

Por outro lado há indivíduos que mesmo não apresentando deficiência na identificação das palavras, ou seja, mesmo podendo traduzir literalmente as idéias propostas no texto, manifestam dificuldades para compreendê-lo, para estabelecer uma análise inferencial e crítica. São os leitores com déficits específicos de compreensão, encontrados não somente no Ensino Fundamental e Médio, mas também e principalmente nos cursos Universitários e em adultos já formados.

Sobre os aspectos mais relativos à escrita, temos que, assim como na aquisição da fala a linguagem receptiva antecede a expressiva, no sistema visual a leitura antecede a escrita. Desta feita, a maior parte dos distúrbios da expressão da palavra impressa, a escrita, é decorrente da ineficiência da leitura, entretanto há indivíduos que mesmo sendo bons leitores apresentam distúrbios na expressão escrita.

Devemos estabelecer as diferentes situações-problemas que podem ocorrer na escrita, o primeiro grupo seria composto pelas crianças e jovens, que apresentam deficiências na discriminação e associação fonema/grafema, ou seja, aqueles que não sistematizaram efetivamente o processo da escrita mecânica, como seria esperado pela suas faixas etário-acadêmicas, tendo tido escolaridade favorecedora e recursos cognitivos adequados. Esse grupo apresentará deficiências na aquisição da linguagem escrita, decorrendo em falhas ortográficas como trocas por confusões visuais e/ou auditivas, omissões e acréscimos (de letras ou sílabas), poderá ainda apresentar fragmentações e junções de palavras.

O segundo grupo caracterizaria os jovens que dominam o código do grafar, todavia apresentam dificuldades para compor um texto, para se expressarem no papel. São aqueles que não conseguem transmitir para a escrita sua ideação ou seus conhecimentos adquiridos através de suas vivências e interações no meio. São indivíduos que na oralidade denotam e expressam criatividade, expressam ainda um mundo imaginário explorado e desenvolvido, assim como manifestam domínio do conteúdo informativo e conseguem estabelecer correlações adequadamente, todavia expressam total incapacidade para lidar com as estruturas necessárias para escrever.

Se estas dificuldades não forem trabalhadas acarretarão vivências frustrantes e limitadoras no processo geral evolutivo da aprendizagem, isto é, a criança ou o jovem que não encontre suporte e continência para sua notação gráfica deficiente, desestimulam-se frente aos fracassos que vivenciam, levando-os ao desinteresse, à impotência na forma de se expressarem e de se comunicarem por escrito. Eles fatalmente passam a escrever cada vez menos, limitando seu imaginário e potencialidade criativa, temendo as punições que sofrerão frente aos seus erros ortográficos.

Outro fator que causa fracasso neste processo seriam as crianças portadoras da Dislexia Evolutiva, que significa, segundo Galaburda e Aboitz, uma condição clínica, caracterizada pela dificuldade na aprendizagem da leitura e escrita nos indivíduos de inteligência e estado psiquiátrico normais, que têm tido boas oportunidades de educação e oportunidades sócio-culturais adequadas, havendo correlação neurológica subjacente e que manifestam muitos dos sintomas e das deficiências aqui descritos.

Em relação às demais atividades psíquicas envolvidas diretamente com este processo, temos, por exemplo, a forma como a criança organiza seu pensamento, as suas características de personalidade, o como ela investe afetivamente no meio e, principalmente qual a função que a linguagem representa enquanto veio de comunicação.

A psicanálise através de Freud, coloca o quanto os aspectos inconscientes influenciam a aprendizagem e o quanto nossa harmonia psíquica capacita ou prejudica esta atividade.

Se a nossa psique é o veio através do qual se dá nossa relação com o mundo, e, se é através dela que tomamos contato com o meio e o introjetamos, estando este aparelho como o chama Bion, em confusão ou conflitado em termos emocionais, terá alterada e prejudicada esta interiorização.

Se uma criança, por exemplo, não teve em princípio um bom vínculo com a mãe, ou sua substituta, poderá desenvolver relações desfavoráveis em seu processo geral de aprendizagem e especificamente com a aquisição da linguagem oral, da leitura e escrita, podendo ser esta a sua forma de expressão de sintomas reativos manifestos. A linguagem, neste caso, poderá estar cumprindo uma função de alerta de que a comunicação, entre ela (a criança) e o mundo, está prejudicada.

Entendemos que além das possibilidades linguísticas, perceptivas, motoras e cognitivas, além dos métodos, dos recursos didáticos, aprender implica em um sujeito que busca a aquisição do conhecimento, e significa sempre uma experiência emocional. Assim sendo, um indivíduo que não tenha motivação, não se estimulará para a aquisição de habilidades tão complexas que exigirão capacidade para frustração adequada, possibilidade para seguir os padrões fixos e sistemáticos que o processo da leitura e escrita requer.

Dos aspectos relativos à dinâmica do meio, podemos apontar a falta de escolarização ou a privação cultural do meio; a própria marginalização do sujeito com dificuldades pelo ensino comum, sofrendo este a pecha de incompetente e desajustado, desfocando a responsabilidade da “Instituição-escola” para o indivíduo, a superlotação das salas de aula, que impedem a individuação dos alunos.

Outros fatores relativos ao meio que interferem na qualidade da aquisição da leitura e escrita, tais como a inadequação de métodos específicos às particularidades dos educandos, a pouca eficiência na utilização de metodologia baseada nas diferentes necessidades e dificuldades que os indivíduos apresentam, a aplicação de currículos sem fundamentação teórica, não sendo respeitados os reais níveis etários e possibilidades instrumentais dos alunos, o que acarreta em exigências aquém ou além da competência deles.

A pouca ou ineficiente estimulação dos professores, ou mesmo as relações educador/educando estabelecidas de forma conflitada, a inabilidade dos educadores para observar e detectar as reais deficiências manifestadas pelos seus alunos, o que impede a possibilidade de diagnóstico e tratamentos precoces e preventivos.

Em relação à família observam-se as altas ou baixas expectativas que são projetadas nos filhos, muitas vezes por desconhecimento da capacidade dos mesmos, ou ainda por projeções baseadas inconscientemente em suas próprias experiências escolares, causando-lhes vivências impotentes e baixa estima, quando não conseguem corresponder.

É bastante comum referências de pais sobre similaridades de história de fracassos na leitura e escrita suas e de seus filhos, estabelecendo desta forma uma identificação de modelos atávicos.

Finalizando, podemos concluir a relevância primordial de se ter o conhecimento do sujeito em seu processo evolutivo de aprendizagem, e, sobretudo focar a atenção em sua unidade, observando os aspectos individuais (sejam eles cognitivos ou afetivo-emocionais), os familiares e os da comunidade como um todo, já que esse todo compõe o universo de cada um.

Importante ainda ressaltar que educadores por vezes, iniciam precocemente o processo de aquisição da leitura e escrita, sem dar a devida estimulação às habilidades, o que acarretará em prejuízo à aquisição. Além disso, se estas habilidades cognitivas se apresentam deficitárias, o estarão, antes mesmo da criança iniciar o processo de alfabetização, assim sendo, uma avaliação precoce possibilitará o diagnóstico e o tratamento e desta forma teremos uma alternativa de prevenção para evitar futuros transtornos acumulativos que decorrerão dessas deficiências já constatadas.

A observação e o encaminhamento da criança pelo educador atento favorecem ainda o planejamento de métodos adequados e específicos para a aquisição da leitura e escrita das crianças com suas características próprias, além de possibilitar as orientações de escolas mais adequadas e que possam ser continentes a essas crianças.

Tânia Freitas
tania@abcdislexia.com.br
Fonte: ABCDislexia

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