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sábado, 16 de julho de 2011

Aquisição da linguagem


Privilégio Humano

Para determinar se o homem é o único a utilizar a linguagem, devemos primeiro esclarecer o que entendemos por linguagem. Se definirmos a linguagem como a capacidade de comunicação, podemos dizer então que existem vários animais que se comunicam. No entanto, a linguagem humana é extremamente flexível e criativa, apoiada em regras gramáticas. Será se esse sistema também existe em outros animais?

O caso da abelha

Há mais de 2000 anos, o filósofo grego Aristóteles percebeu que quando uma abelha solitária descobre uma fonte de néctar, é logo seguida por outras abelhas. Em 1950, Karl von Frisch revelou que a abelha exploradora comunica-se com as outras por meio de uma intrincada dança. Frisch descobriu que a direção e a duração da dança informam às outras a direção e a distância da fonte de alimento. No entanto, apesar das abelhas se comunicarem com o canto e a dança, elas não se utilizam dos elementos da linguagem humana. (MYRES, 1999)

O caso dos macacos

Nos anos 40, vários psicólogos tentaram criar chimpanzés-bebês como uma criança humana, inclusive ensinando-os a falar. Apesar do treinamento, os chimpanzés nunca aprenderam a dizer mais que algumas poucas palavras. No entanto, esse fato é explicável, já que a posição da laringe dos macacos os impossibilita de produzir sons como os da fala humana. Estudos mais recentes incentivam os macacos a usarem a Linguagem Americana de Sinais (LAS) ou objetos para se comunicarem. Podemos citar o chimpanzé Washoe, treinado por Allen e Beatrice Gardner, e o gorila Koko, treinado por Francine Patterson, que conseguiram aprender o significado dos sinais, embora isso só prove que eles possuem uma boa memória. (BEAR et al, 2002)

Entretanto existe controvérsia sobre a criatividade da linguagem dos macacos. Os céticos afirmam que eles apenas unem símbolos de maneira aleatória, e em alguns casos conseguem unir palavras que tenham sentido.

O fato é que animais como abelhas, macacos, chimpanzés, golfinhos e outros, utilizam-se da linguagem para se comunicar, mas essa linguagem está longe da complexidade da linguagem humana.

Estágios de desenvolvimento da linguagem

Por que os bebês não nascem falando? Segundo Pinker (2002), os bebês humanos nascem antes de seus cérebros estarem completamente formados. Se os seres humanos permanecessem na barriga da mãe por um período proporcional àquele de outros primatas, nasceriam aos dezoito meses, exatamente a idade na qual os bebês começam a falar, portanto, nasceriam falando.

O cérebro do bebê muda consideravelmente depois do nascimento. Nesse momento, os neurônios já estão formados e já migraram para as suas posições no cérebro, mas o tamanho da cabeça, o peso do cérebro e a espessura do córtex cerebral, onde se localizam as sinapses, continuam a aumentar no primeiro ano de vida. Conexões a longa distância não se completam antes do nono mês e a bainha de mielina continua se adensando durante toda a infância. As sinapses aumentam significativamente entre o nono e o vigésimo quarto mês, a ponto de terem 50% a mais de sinapses que os adultos. A atividade metabólica atinge níveis adultos entre o nono e o décimo mês, mas continuam aumentando até os quatro anos. O cérebro também perde material neural nessa fase. Um enorme número de neurônios morre ainda na barriga da mãe, essa perda continua nos dois primeiros anos e só se estabiliza aos sete anos. As sinapses também diminuem a partir dos dois anos até a adolescência quando a atividade metabólica se equilibra com a do adulto. Dessa forma, pode ser que a aquisição da linguagem dependa de uma certa maturação cerebral e que as fases de balbucio, primeiras palavras e aquisição de gramática exijam níveis mínimos de tamanho cerebral, de conexões a longa distância e de sinapses, particularmente nas regiões responsáveis pela linguagem. (PINKER, 2002)

Balbuciando

É comum dividir o estágio inicial da aquisição de linguagem em duas fases: pré-lingüística e lingüística. No estágio pré-lingüístico, a capacidade lingüística da criança desenvolve-se sem qualquer produção lingüística identificável. Sem levar em conta as mudanças biológicas que facilitam o desenvolvimento lingüístico e ocorrem nos primeiros meses de vida da criança, é o balbuciar dos bebês de aproximadamente seis meses que sinaliza o começo da aquisição da linguagem. Esse período é tipicamente descrito como pré-lingüístico porque os sons produzidos não são associados a nenhum significado lingüístico. O estágio dos balbucios é marcado por uma variedade de sons que muitas vezes são usados em alguma das línguas do mundo, embora muitas vezes não sejam a língua que a criança irá, posteriormente, falar. O significado dessa observação não é claro. Alguns, como Allport (1924 in STILLINGS, 1987), afirmam que os balbucios sinalizam o começo da habilidade de comunicação lingüística da criança. Nesse estágio, os sons oferecem o repertório no qual a criança irá identificar os fonemas da sua língua. Por outro lado, McNeil (1970 in STILINGS, 1987) ressalta que a ordem que os sons aparecem durante o período de balbucio é, geralmente, contrária àquela que eles aparecem nas primeiras palavras da criança. Por exemplo, consoantes posteriores e vogais anteriores, como [k], [g] e [i], aparecem cedo nos balbucios das crianças, mas tarde no seu desenvolvimento fonológico.

Primeiras palavras

Segundo Stillings (1987), o primeiro estágio verdadeiramente lingüístico da criança parece ser o estágio de uma palavra. Nesse estágio, que aparece a poucos meses delas completarem um ano, as crianças produzem suas primeiras palavras. Durante esse estágio, as suas falas se limitam a uma palavra, que são pronunciadas de maneira um pouco diferente da dos adultos. Muitos fatores contribuem para essa pronúncia não usual: alguns sons parecem estar fora da escala auditiva das crianças, por dependerem da maturação de alguns nervos. Sons que são difíceis para a criança detectar, tornam-se difíceis para elas aprenderem. Além disso, alguns sons parecem ter uma articulação difícil para as crianças. Por exemplo, é comum ver crianças que possuem desenvolvimento lingüístico adiantado mas não conseguem pronunciar o [r]. Algumas vezes, sons fáceis podem se tornar difíceis na presença de outros sons. Por exemplo, crianças no estágio de uma palavra freqüentemente omitem o som das consoantes finais.

Crianças nessa fase, além de pronunciar as palavras de maneira diferente também querem dizer coisas diferentes com elas. Muitos pesquisadores perceberam que as crianças parecem expressar significados complexos com suas expressões curtas. É como se suas sentenças de uma palavra representassem um pensamento completo. Esse uso da linguagem indica que o desenvolvimento conceitual da criança tende a ultrapassar seu desenvolvimento lingüístico nos primeiros estágios da aquisição. Nós devemos traçar essa conclusão com cuidado, no entanto, já que julgamentos sobre o que as crianças querem disser nos seus primeiros estágios de desenvolvimento são difíceis de fazer.

Acessando essa e outras propriedades do sistema semântico da criança, nós temos que considerar a questão da natureza do significado. Em particular, é importante esclarecer que tipo de conhecimento a criança deve dominar durante o processo de aquisição de linguagem. A distinção de Frege (STILLINGS, 1987) entre sentido e referência é relevante; nós podemos explorar como as crianças formam e organizam conceitos e como elas aprendem a referenciá-los. Clark (1973 in SYILLINGS, 1987) e Anglin (1977 in STILLINGS, 1987) mostraram que as primeiras referências das crianças partem sistematicamente em duas direções particularmente opostas daquelas da comunidade falante dos adultos. Em alguns casos, as crianças usam as palavras para referenciar inapropriadamente um vasto número de objetos. Por exemplo, carro poder ser usado para referenciar um objeto grande que se move ou qualquer objeto que serve para fazer transporte. Em outros casos, crianças usam as palavras de uma maneira extremamente restrita, criando um drástico limite para um conjunto de referenciais permitidos. Por exemplo, uma criança usa a palavra cachorro para designar apenas o cachorro da família.

Esse superextensão e subextensão são bem freqüentes nos primeiros diálogos das crianças, mas decrescem quando seu léxico se torna similar ao dos adultos. A explicação de Clark (1973 in STILLINGS, 1987) para a aquisição semântica envolve, crucialmente, a hipótese de que as crianças aprendem o significado de uma palavra através da união de várias características semânticas que coletivamente constituem o conceito expresso pelo termo. De fato, essa hipótese sobre o desenvolvimento léxico vê a criança reunindo um banco de dados onde as características semânticas primitivas são associadas em grupo a um item lexical. Se uma criança, erradamente, associa muitas ou poucas características a um termo, o conceito resultante estará excessivamente generalizado ou excessivamente restrito, respectivamente, a superextensão e subextensão. Apesar dos detalhes da explicação serem controversos, a idéia de que as crianças constroem conceitos através de algum tipo de conceitual primitivo é mais aceitável. Como no caso da aquisição fonológica, existem evidências de que as crianças adquirem uma representação abstrata durante o aprendizado da sua língua, mesmo nos primeiros estágios de aquisição.

Dessa forma, mesmo que a primeira hipótese sobre aquisição de linguagem seja de que a criança simplesmente adquire sons e significados, a investigação das primeiras palavras da criança indica que o conhecimento adquirido por aquelas de um ano de idade toma a forma de um sistema rico de regras e representações. Como esses sistemas abstratos foram deduzidas, principalmente, através das experiências das crianças na comunidade lingüística, as diferenças entre a gramática da criança e a do adulto são compreensíveis.

O surgimento da sintaxe

A partir do estágio de duas palavras é possível examinar o desenvolvimento sintático, mesmo que seja de maneira rudimentar.

Uma hipótese popular sobre os padrões das expressões de duas palavras (BRAINE, 1963 in STILLINGS, 1987) diz que as crianças organizam seu vocabulário em duas classes lexicais chamadas de pivô e aberta. Assim, nesse estágio a fala da criança seria composta de duas palavras da classe aberta ou uma palavra da classe aberta e uma da classe pivô, já que no estágio de uma palavra elas utilizam palavras da classe aberta. Essa subdivisão dependerá da fala de cada criança, desse modo toda palavra usada sozinha pertencerá a classe aberta.

O ponto é que justaposição de palavras não implica relação semântica entre ela. Essas relações semânticas tendem a aparecer com o tempo, quando as combinações de palavras aumentarem. A primeira relação a aparecer é a de modificador-modificado (mais biscoito) e a de agente-ação (cachorro come). Essa relação semântica (algumas vezes chamada de relação temática) aparentemente começa no estágio de duas palavras. Alguns pesquisadores como Bloom (1970 in STILLINGS, 1987) e Bowerman (1973 in STILLINGS, 1987), propuseram que a relação temática é a primeira relação estrutural importante que a criança usa para construir expressões com mais de uma palavra, sugerindo que a gramática da criança seria mais bem descrita através das funções das palavras. Em vez de sintagma nominal e verbal, falaríamos em agente e ação. Outra sugestão dada por Berwick e Weinberg (1983 in STILLINGS, 1987), é que a primeira gramática das crianças está baseada na suposição de que toda relação sintática está correlacionada com uma relação temática. Desse modo, nos primeiros estágios de desenvolvimento, toda seqüência nome-verbo seria interpretada como agente-ação e similarmente para outras seqüências sintáticas.

O sistema lingüístico da criança nessa fase também é diferente do adulto. Além das diferenças de pronúncia e significado, elas também possuem uma gramática diferente da deles. Obviamente produzem sentenças mais breves; além da maioria delas serem sentenças inovadoras, não sendo apenas imitações da dos adultos.


Além do estágio de duas palavras

Embora os estágios de uma e duas palavras não tenham um início e um final determinado, existem características confiáveis para identificá-los. A partir desse ponto, no entanto, isso não será mais possível.

À medida que o MLU (média de palavras por expressão) aumenta, a complexidade da gramática que gerencia essas palavras torna-se mais complexas, no entanto, continua sendo deficiente em relação à dos adultos (crianças de dois e três anos). O discurso das crianças dessa idade é descrito como discurso telegráfico, omitindo pequenas palavras como determinantes e preposições. Além disso, existem problemas com as estruturas que não seguem uma regra geral, por exemplo, é comum as crianças dizerem eu trazi, generalizando a regra dos verbos regulares. O interessante é que antes de cometerem este erro, elas passam por uma fase em que usam o verbo adequadamente. Uma explicação para essa regressão é que no início elas simplesmente imitam a formação do verbo, mais tarde, no entanto, após aprender a regra de formação, elas simplesmente a aplicam para todos os verbos. Porém, com o passar do tempo acabam aprendendo a forma certa, mesmo que seja através da memorização.

Próximas fases de desenvolvimento

Após o estágio de duas palavras as crianças expandem seu vocabulário, aprendem as regras de construção (negativa, passiva, etc.) presentes na língua, aprendendo seu sistema fonológico e morfológico, aperfeiçoando sua pronúncia, e, geralmente, alcançando a convenção adulta de maneira bem rápida (entre os seis e sete anos), mesmo que demorem mais a aprender estruturas mais complexas, como a voz passiva.

O ponto crítico

Todos nós sabemos que é muito mais fácil aprender uma segunda língua na infância. A maioria dos adultos nunca chega a dominar uma língua estrangeira, sobretudo sua fonologia, o que gera o inevitável sotaque. Segundo Pinker (2002), "existem diferenças individuais, que dependem do esforço, qualidade de ensino e simples talento, mas, ainda assim e mesmo nas melhores circunstâncias, parece haver uma barreira intransponível para qualquer adulto."

Dados mais sistemáticos nos são fornecidos pela psicóloga Elissa Newport e seus colegas (PINKER, 2002). Eles testaram estudantes e professores da Universidade de Illinois nascidos na Coréia e na China que já viviam há pelo menos dez anos nos Estados Unidos. Aqueles que tinham migrado entre os 3 e 7 anos, alcançaram o desempenho dos americanos nativos. A partir desse ponto, quanto mais velho, pior era a assimilação da nova língua.

Quanto a língua materna, são raros os casos de pessoas que chegam a puberdade sem tê-la adquirido. Até os deficientes auditivos tem mais facilidade de aprender a língua de sinais antes da fase adulta. No caso de crianças selvagens encontradas na floresta ou em lares de pais psicóticos, elas podem aprender a se comunicar de forma clara ou não, dependendo da idade em que foram encontradas.

Resumindo, a aquisição de linguagem é certa até os seis anos, fica comprometida depois dessa idade até a puberdade e é rara depois disso. Uma explicação plausível seria as alterações maturativas que ocorrem no cérebro, tais como o declínio da atividade metabólica e do número de neurônios durante o início da vida escolar, e a estagnação no nível mais baixo do número de sinapses e da atividade metabólica por volta da puberdade.

Pinker (2002, p.374-5) cria uma metáfora interessante para tentar explicar essa perda de funcionalidade cerebral:

Imagine que o que os genes controlam não é uma fábrica mandando peças para o mundo, mas a oficina de uma companhia teatral de poucos recursos para a qual vários cenários, adereços e materiais retornam periodicamente a fim de serem desmanchados e remontados para a próxima produção. A qualquer hora, diferentes engenhocas podem ser produzidas na oficina, dependendo da necessidade do momento. A ilustração biológica mais óbvia é a metamorfose. [...] Mesmo nos humanos, o reflexo de sucção desaparece, os dentes nascem duas vezes e uma coleção de característica sexuais secundárias emergem dentro de um cronograma maturacional. Agora, complete a mudança de ponto de vista. Pense na metamorfose e nas mudanças maturacionais não como exceção mas como regra. Os genes, moldados pela seleção natural, controlam corpos ao longo de toda a vida; seus propósitos perduram enquanto forem úteis, nem antes nem depois. A razão para termos braços aos sessenta anos não é o fato de eles estarem ali desde o nascimento, mas porque braços são tão úteis para um sexagenário quanto o são para um bebê.

Segundo ele, nós não devemos perguntar "Por que a capacidade de aprender desaparece?", mas sim "Quando a capacidade de aprender é necessária?". Logo, ela deve aparecer o mais cedo possível, para podermos usufruí-la o maior tempo possível, no entanto, ela é extremamente útil apenas uma vez, depois passa a ser supérflua. "Assim, a aquisição lingüística deve ser como as outras funções biológicas. A inépcia lingüística de turistas e estudantes talvez seja o preço a pagar pela genialidade lingüística que demonstramos quando bebês, assim como a decrepitude da idade é o preço pelo vigor da juventude." (PINKER, 2002, p. 378)

Fonte: Mestrado de informática aplicada à educação

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