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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Chupetógrafo: você já ouviu falar nele?

O acessório, objeto de estudo da professora Eloísa Lima, da UFRJ, serve para compreender como se dá a aquisição de linguagem pelas crianças ainda antes de aprenderem a falar




Chupetógrafo. É com base em um acessório com esse nome diferente que a professora Eloísa Lima, do departamento de Neurolinguística da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), desenvolveu sua tese de mestrado. Há 30 anos ela atua no ensino de inglês para crianças (hoje é responsável pela escola Dice, no Rio de Janeiro), e, ao buscar um jeito de trabalhar a aquisição de uma segunda língua “que não fosse por uma mera repetição de palavras”, ela se deparou com o chupetógrafo.

O acessório surgiu na década de 1980 como uma invenção do linguista francês Jacques Mehler, pesquisador da Universidade de Triestre, na Itália. Na época, ele fez uma pesquisa com bebês e descobriu que desde o nascimento eles já identificam diferentes idiomas a partir do ritmo de cada um – e não pelo significado. Para chegar a essa conclusão, ele montou uma máquina que registrava a sucção da chupeta por um bebê. O pesquisador partiu do princípio que o ato de sugar é uma resposta a alguma emoção da criança – tanto que, ao nascer, um dos primeiros reflexos é o da sucção. Em entrevista à CRESCER, Eloísa fala como essa descoberta influenciou seus estudos. Confira.

CRESCER: Como você chegou aos estudos de Jacques Mehler e ao chupetógrafo ?
ELOÍSA LIMA: Queria entender como se dá aquisição de linguagem por crianças pequenas e, para isso, precisava saber em que momento os bebês adquirem as consoantes, que aliás são mais significativas para compreender um vocábulo. É possível ler uma palavra só com base nelas. E para fazer esse trabalho me baseei na experiência de Mehler.

CRESCER: E foi necessária alguma adaptação do aparelho?
EL: Sim, nós queríamos uma tecnologia mais moderna e menos invasiva. Seria difícil ter mães voluntárias com um aparelho tão grande, como de ressonância magnética, produzido pela equipe de Mehler. O que fizemos foi acoplar à chupeta um caninho de vinil com um microfone, o qual envia para um programa de computador os registros sonoros que são identificados em um gráfico. Avaliamos cerca de 30 crianças de até 6 meses.

CRESCER: Por quanto tempo elas ficavam chupando chupeta?
EL: Os bebês ficavam de um a dois minutos com o aparelho, enquanto ouviam uma palavra diferente por dia em diferentes idiomas: português, inglês e tcheco.

CRESCER: O que essa experiência mostrou?
EL: Que as crianças assumem as consoantes a partir do segundo mês de vida. O que mostra que o período de pré-fala é o mais importante da linguagem. Crianças que até os 7 anos aprendem um segundo idioma têm mais chances de falar a nova língua como um nativo. A partir dessa idade, porém, a criança já é considerada um ‘adulto’ para a aquisição da língua. Ou seja, ela já vai carregar o acento de sua língua materna e, por mais espontâneo e fluente que seja, vai fazer uma tradução em seu cérebro. Não estou dizendo que a partir de 7 anos a pessoa não seja mais capaz, mas há uma série de limitações durante a aquisição de uma nova língua.

CRESCER: Essa limitação varia entre as pessoas ou é assim como todo mundo?
EL: Não é uma limitação, é um fechamento de aquisição. Nosso cérebro trabalha com várias interfaces, sendo que uma auxilia a outra no funcionamento. Mas existem determinadas aquisições do ser humano – por exemplo, o fato de caminharmos com duas pernas e não com quatro como um cachorro – que dependem de um período crítico para acontecer. É uma janela de oportunidades, se você não passar por esse momento, pode carregar uma sequela.

CRESCER: Você acredita que o chupetógrafo seria só um instrumento de pesquisa ou teria um outro uso?
EL: Poderia auxiliar no diagnóstico de problemas que afetam a linguagem – como a afasia (perda do poder de expressão pela fala, pela escrita ou por sinalização por causa de uma lesão cerebral) ou autismo. Ao perceber que uma criança não se interessa pelo que vê ou ouve é possível suspeitar de que tem algo errado e que deve ser investigado desde cedo.

CRESCER: Mas o seu objetivo principal é sedimentar o porquê de começar cada vez mais cedo o aprendizado de uma segunda língua, certo?
EL: Sim, meu foco é como trabalhar uma segunda língua com crianças pequenas. O que temos de mostrar é que no primeiro ano de vida, considerado o período pré-fala, a criança não representa oralmente mas já tem a linguagem em funcionamento. As pessoas costumam não entender isso, acham que não faz diferença conviver tão cedo com outros idiomas. Há linhas da área da pedagogia que só consideram o ser humano pensante a partir do momento em que ele fala e “deleta” o ano em que não fala. Mas esse justamente acaba sendo o período mais importante.

 Por Cristiane Rogerio e Simone Tinti

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