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terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Fonoaudiologia e a Cirurgia Ortognática


EXAME FONOAUDIOLÓGICO
A anamnese é o ponto de partida de nosso exame. A observação do paciente é fundamental principalmente enquanto ele não se sente examinado. Neste momento ele estará mais a vontade e já o estaremos examinando de uma forma um pouco mais natural. A queixa que o trouxe é a chave do tratamento. Sabendo se o paciente está compreendendo o motivo por que ele está ali e o que de fato ele espera deste e dos outros tratamentos, poderá nos dar o caminho da terapia evitando que cometamos o engano de tratar daquilo que não se quer ou não é possível ser tratado. Será importante diferenciar a queixa dele, da queixa do dentista e ou do cirurgião. Deixar que o paciente fale livremente de seus medos, suas necessidades e principalmente o que o trouxe até nós e o que ele espera que possamos fazer por ele é fundamental para o sucesso terapêutico. As perguntas pertinentes à própria patologia em questão devem ser feitas de forma a nos dar uma visão aprofundada do problema em questão sem perder de vista o que circunda a queixa inicial. Isto quer dizer que a verticalidade e a horizontalidade dos assuntos pesquisados devem ser sempre equilibradas.

Após a anamnese, vamos examinar o paciente tendo em mente as características esperadas em cada desproporção maxilo-mandibular. Não podemos no entanto, olhar para o paciente esperando encontrar apenas as características citadas anteriormente, pois como já nos referimos antes, estas características são apenas o que é mais comumente encontrado ou mesmo o previsível. É fundamental que o clínico examine sem preconceitos, procurando ao máximo, compreender que tipos de adaptações cada paciente fez, como as utiliza e quanto de incômodo e ou interferência estas adaptações estão causando.

Iniciar observando o paciente de frente e de perfil. Observar com detalhes quais são as assimetrias de face e de corpo que o paciente apresenta. Lembrar que a postura corporal é fundamental para que as funções possam ocorrer de forma adequada. Tentar compreender já neste primeiro exame quais foram as compensações criadas pelo paciente. Examinar as estruturas duras e moles separadamente descrevendo-as para depois relacioná-las. Ao analisar as funções de mastigação, deglutição, fala, voz, respiração e funcionamento da ATM analisá-las em separado e sequencialmente. Nenhum órgão está determinado para a realização de uma só função. Cada função quando considerada individualmente será diferente do que quando integrada com outras. Quando as funções ocorrem sequencialmente a complexidade hierárquica aumenta consideravelmente.

Ao analisarmos em separado as partes duras poderemos de certa forma prever como será o posicionamento e comportamento das partes moles. O mesmo princípio não é aplicado a análise separada das funções. Nosso objetivo é verificar como o paciente faz a função que está sendo avaliada, sob comando e isoladamente. Sabemos que inconscientemente e em sequência, a função poderá ser realizada de maneira diferente daquela realizada isoladamente. É importante saber quais são as possibilidades que cada estrutura tem de fazer a mesma função das duas formas. Esta distinção já nos dirige em relação ao plano terapêutico. A partir desta análise saberemos quais serão as nossas exigências dentro das possibilidades daquele indivíduo.

A avaliação do paciente após a cirurgia ortognática deve levar em consideração a etapa em que o paciente se encontra, em razão das dificuldades que possa apresentar em decorrência dos próprios procedimentos cirúrgicos, da presença de edemas, do tempo de bloqueio inter-maxilar ao qual foi submetido e de alteração da sensibilidade que pode estar presente.

Os movimentos mandibulares: abertura, protrusão e lateralidade apresentam-se reduzidos após a retirada do bloqueio inter-maxilar. Parece-nos importante ressaltar que esta mobilidade será gradativamente restabelecida pelo uso das estruturas e musculatura mastigatória.

Apesar de que alguns trabalhos mostram a utilização de exercícios, acreditamos que esta hipomobilidade mandibular inicial pode inclusive auxiliar na acomodação dos tecidos moles, evitando a busca por movimentos mandibulares estereotipados existentes previamente à cirurgia. Não faz parte de nossa orientação qualquer tipo de exercício que force a abertura bucal, ou que traga sensação de dor ou desconforto ao paciente. Entendemos que esta limitação seja temporária e reversível espontaneamente. A retomada da alimentação pastosa e sólida gradativa, os movimentos utilizados durante a articulação da fala e a própria exploração pelo paciente se incumbem de reverter a “atrofia” muscular e restabelecer a amplitude dos movimentos. Devemos ter isto em mente durante a nossa avaliação.

Dependendo do procedimento cirúrgico, após osteotomias mandibulares, podem ocorrer alterações de sensibilidade na região mentoniana, região dento-alveolar inferior e lábio inferior. Estas alterações, caracterizadas por redução ou perda da sensibilidade nestas regiões são normalmente reversíveis, porém observam-se casos onde a demora neste restabelecimento é responsável por dificuldades funcionais como controle de saliva, alteração dos pontos articulatórios na fala e adaptações inadequadas quanto à mastigação e à deglutição especialmente de líquidos. Além do desconforto, a falta de sensibilidade significa uma grande perda proprioceptiva, indispensável para a reorganização funcional. Estes dados justificam a importância da avaliação proprioceptiva.
A TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA
Uma vez reposicionadas as bases ósseas, o fonoaudiólogo tem condições de restabelecer as funções estomatognáticas, dentro dos limites individuais, caso este equilíbrio não tenha sido alcançado espontaneamente.

A fonoaudiologia conta com duas formas de trabalho para modificações musculares: mioterapia e terapia miofuncional. Na mioterapia ocorre a atuação específica no músculo que se quer modificar, utilizando-se exercícios isotônicos e ou isométricos. Na terapia miofuncional trabalha-se diretamente com as funções que se quer modificar atingindo com isto a modificação muscular. Apesar de preferirmos usar a terapia miofuncional que nos parece mais rápida e eficiente sabemos da importância de exercícios específicos em determinados momentos. Quando bem diagnosticado e houver um bom planejamento terapêutico, com certeza usaremos a metodologia adequada para cada tipo de problema.

As etapas do trabalho fonoaudiológico dependem da equipe interdisciplinar que está atendendo o paciente, uma vez que o encaminhamento pode ser efetuado antes ou após a realização da cirurgia.

Se o paciente é encaminhado antes da cirurgia, além da avaliação, o fonoaudiólogo pode realizar algumas orientações prévias que serão úteis ao paciente, inclusive durante o bloqueio inter-maxilar tais como: dieta alimentar, higiene bucal e relaxamentos da região facial e cervical, geralmente tensionadas pelo desconforto do bloqueio. Tais orientações são normalmente efetuadas pelo cirurgião. Em equipes interdisciplinares estas orientações tem sido realizadas pelo fonoaudiólogo. Isto tem possibilitado que o paciente possa expor suas dúvidas e ansiedades uma vez que os encontros com o fonoaudiólogo são sistemáticos criando inclusive um maior vínculo entre o terapeuta e o paciente.

Caso o encaminhamento seja feito pouco tempo após a liberação do bloqueio, o trabalho fonoaudiológico inicia-se direcionando as adaptações que vão ocorrendo espontaneamente. Nestes casos a redução da amplitude de movimentos mandibulares e da força mastigatória ainda podem ser observadas. A musculatura deve ser analisada cuidadosamente devido a possibilidade de edemas ainda presentes. Nesta fase, a evolução é rápida e os padrões funcionais adequados à nova forma são direcionados através da sistematização de seu uso, dentro dos limites da recuperação de cada paciente. Caso sejam necessários, apenas exercícios de mobilidade e tonicidade de língua podem ser utilizados.

Uma terceira opção é o encaminhamento tardio do paciente. Este normalmente ocorre por alguma característica de recidiva ou à apresentação de funções atípicas. A situação de recidiva deve ser observada também com relação aos aspectos ortodônticos e possíveis limitações cirúrgicas, já que nem sempre são de causa unicamente funcional. Existindo realmente situações atípicas, estas são mais difíceis de serem trabalhadas tardiamente, uma vez que este novo padrão inadequado encontra-se agora internalizado.

Após o exame fonoaudiológico, a terapia fonoaudiológica costuma ser indicada ao se constatar a manutenção de padrões adaptativos prévios que não são mais condizentes à nova forma, ou quando existam dificuldades referentes à estabilidade de respiração e vedamento labial, de mastigação, deglutição e articulação da fala, devido a presença de alterações neuro-musculares.

A base de todo o trabalho é a ênfase no esquema proprioceptivo para que o indivíduo tenha consciência do reposicionamento das bases ósseas e consequente modificação dos espaços funcionais. À partir da percepção de suas novas possibilidades é solicitado ao paciente a observação e descrição daquilo que consegue executar, tornando possível a escolha direcionada da postura de repouso bucal e funções.

Casos onde exista a persistência do déficit sensitivo, as adaptações devem ser orientadas para que o paciente utilize outras pistas proprioceptivas compensatoriamente (13).

O treino funcional é realizado durante a terapia e orientado para que seja utilizado em todas as atividades diárias. A mastigação costuma ser a principal função a ser trabalhada, utilizando-se sempre alimentos.

ASPECTO PSICO-SOCIAL 
O paciente que será submetido à cirurgia ortognática costuma apresentar um perfil característico.

Em muitos casos, o indivíduo é surpreendido com a necessidade da cirurgia quando sua principal queixa dizia respeito ao reposicionamento dentário ou dificuldades de mastigação e fala. Esta surpresa transforma-se, por vezes, em apreensão referente aos procedimentos aos quais será submetido, cabendo ao cirurgião fornecer as informações pertinentes para que este sinta-se seguro e confiante durante todo o processo.

Entretanto, alguns pacientes passam a ter expectativas fabulosas, superestimando os resultados. Ocorrem associações com outras dificuldades, as quais não apresentam relação com o problema. Estes pacientes, apesar de apresentarem ótima disposição para os trabalhos, costumam apresentar maiores queixas no pós- cirúrgico e observar novos defeitos.

Na situação de terapia, o paciente sente-se à vontade para narrar suas dificuldades com o processo e eventualmente demonstra dificuldade em sua identificação pessoal justamente porque a modificação facial é evidente.

Quando se trata de cirurgia ortognática inúmeros trabalhos relatam a notória modificação óssea e sua consequência nos tecidos moles. Estes trabalhos entretanto ressaltam principalmente a parte estética do resultado obtido geralmente sob a óptica dos profissionais envolvidos. É fato que a cirurgia ortognática tem objetivos tanto funcionais quanto estéticos, porém a funcionalidade do sistema estomatognático nos parece pouco enfatizada especialmente quanto a manutenção de padrões adaptativos anteriores assim como não há pesquisas suficientes referindo-se a como o paciente se sentiu e se viu após a cirurgia.

Existem predições referentes às respostas dos tecidos moles, mas estas dizem respeito apenas a postura de repouso. Seria interessante, até para dar respostas melhores e mais precisas aos pacientes, que houvessem maiores estudos e pesquisas sobre as outras funções, como por exemplo, a deglutição, a mastigação, a fala, etc. Isto só será possível aumentando e valorizando a conscientização dos pacientes sobre como eles sentem e funcionam antes e depois das cirurgias. Aprenderemos muito mais por meio deles, que são as pessoas que de fato sentiram o que acontece. Se valorizarmos suas colocações e os incentivarmos a descreverem estas percepções com certeza conheceremos com maior precisão as modificações reconhecendo as favoráveis e as indesejadas. 

Irene Queiroz Marchesan
Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini