Entenda como é feito o
diagnóstico e qual o tratamento mais adequado para a criança que apresenta o
transtorno
Cada criança é uma
criança. A frase pode parecer simples, mas é vital para entender o autismo. Se
o seu filho receber o diagnóstico, não necessariamente vai apresentar todos os
sintomas já descritos por outros pacientes. Por ser um distúrbio com diferentes
níveis de comprometimento, recebe o nome de “espectro autista” – para entender
melhor, imagine um dégradé, que vai de cores muito escuras, em que se encontram
os casos mais graves, até os tons mais claros.
Apesar de os sinais do
transtorno variarem, há três comprometimentos que são considerados mais comuns.
O primeiro é na interação social, ou seja, no modo de se relacionar com outras
crianças, adultos ou com o meio ambiente. “Uma das teorias que explica esse
comportamento afirma que o autista tem dificuldade de entender o outro e de se
colocar no lugar de alguém. Não compreende sentimentos e vontades, por isso se
isola”, afirma Daniel Sousa Filho, psiquiatra da infância e da adolescência (SP).
O segundo sintoma
recorrente é a dificuldade na comunicação: há crianças que não desenvolvem a
fala e outras que têm ecolalia (fala repetitiva). Como terceiro sinal, há a
questão comportamental: as ações podem ser estereotipadas, repetitivas. Qualquer
mudança na rotina passa a ser incômoda para a criança. Imagine que a mãe sempre
vá buscar o filho na escola. Certo dia, é o avô quem vai pegá-la no colégio – e
altera a rota de sempre. Pode ser que ela, diante dessa mudança, fique agitada
e grite, por exemplo. Isso acontece porque a rotina é um “mapa” usado pelo
autista para reconhecer o mundo. Se algum traço desse caminho for alterado, a
criança vai reagir.
Sinais do transtorno
variam
Vale lembrar que, além
desses sinais, há outros que podem se manifestar em algumas pessoas com o
espectro autista, não em todas, claro. Os surtos nervosos, por exemplo, podem
vir acompanhados de automutilação e agressão. Para entender melhor, imagine que
você esteja com a blusa apertada ou com muita fome, mas não consiga falar o que
sente. Se a criança tiver dificuldade na expressão verbal, pode tentar se
comunicar corporalmente e ter seu pedido atendido.
Hiper ou
hiposensibilidade também podem se manifestar de forma diferente nos cinco
sentidos da criança que se enquadra no espectro autista. Por exemplo: na
audição, ela pode se sentir incomodada em locais barulhentos ou ter afinidade
com alguns sons. No paladar, ela não tolera determinados sabores – por isso,
insiste em comer sempre os mesmos alimentos. E nos dias frios, enquanto você
usa um casaco pesado, a criança pode dispensá-lo – a hiposensibilidade tátil
faz com que ela não tenha a mesma sensação de temperatura que as demais. Quando
se machuca, talvez não sinta dor, por exemplo.
O espectro autista pode
vir acompanhado de deficiência intelectual. Há casos, no entanto, em que a
criança apresenta alto funcionamento – ou seja, é capaz de memorizar a lista
telefônica inteira, mas não entende qual a utilidade dos números, por exemplo.
Na síndrome de Asperger, outro quadro do espectro, a pessoa pode não ter
problemas no desenvolvimento da linguagem. Ela se interessa por assuntos
específicos: sabe tudo sobre dinossauros ou avião e se restringe a só a um
tema.
Diagnóstico
Uma estimativa feita em
2010, cujos resultados acabaram de ser divulgados pelo Centro de Controle e
Prevenção de Doenças, nos Estados Unidos, mostrou que 1 em cada 68 crianças são
diagnosticadas com autismo no país - 30% a mais do que em 2008. No entanto, o
diagnóstico não é tão simples assim. Isso porque não há um exame específico que
indique o transtorno – a avaliação deve ser clínica e feita por uma equipe multidisciplinar,
formada por psicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo. É comum, ainda,
que os sintomas sejam confundidos com
surdez (já que a criança não responde aos estímulos), deficiência
intelectual e problemas de linguagem.
Por isso, mediante
qualquer desconfiança sobre desenvolvimento do seu filho, procure um
especialista. “Quanto mais precoce começar as intervenções, melhor o
prognóstico. É importante procurar as terapias adequadas o quanto antes, porque
o sistema nervoso poderá responder aos estímulos rapidamente”, explica o
neurologista infantil Antônio Carlos de Faria, do Hospital Pequeno Príncipe
(PR).
É claro que os sinais
ficarão mais nítidos após os 3 anos, mas alguns indicativos desde bebê podem
servir como alerta, como a criança ficar parada no berço, sem reagir aos
estímulos, e evitar o contato visual. Antes do primeiro ano de vida, está
sempre irritada – você o amamenta ou conversa com ela, mas continua agitada.
Por volta dos 8 meses, o bebê não interage com o meio ambiente: vê um cachorro
ou gato na rua e fica indiferente. Sabe aquela brincadeira em que a mãe se
esconde e diz “achou!”? O bebê não esboça nenhuma reação. Na hora de brincar é
comum que crianças autistas se interessem apenas por uma parte do brinquedo -
elas podem ficar girando a roda de um carrinho por um tempo prolongado, em vez
de arrastá-lo.
Há casos, ainda, em que
há regressão: a criança se desenvolve bem até 1 ano e meio. Depois dessa idade,
para de sorrir ou de se comunicar, por exemplo.
Tratamento
Ainda não há um
medicamento específico para o autismo. De 0 a 2 anos, a criança deve ser
acompanhada por um fonoaudiólogo para que ele ajude-a a desenvolver a linguagem
não-verbal. A estimulação pode ser feita com brincadeiras e jogos, contação de
histórias e conversa. Conhecer o novo também é importante: o especialista
apresenta uma maçã para que ela toque na fruta, conheça sua textura e seu
cheiro. Aos poucos, ela pode aprender a entender a expressão facial dos outros.
A linguagem verbal (como a fala) virá depois. As terapias ocupacional e
comportamental também são relevantes no tratamento, para que o cérebro passe a
perceber os estímulos sensoriais. “Esse tipo de intervenção precoce pode evitar
o comportamento repetitivo, por exemplo”, afirma o neurologista.
Não há uma regra para
todas as crianças. A equipe multidisciplinar decidirá qual o acompanhamento
pedagógico e terapêutico mais indicado e vai discutir sobre a educação delas,
junto com os pais. “Cada caso é um caso. Em geral, quando se tem a comunicação
verbal desenvolvida, ir para a escola regular é uma ótima opção. Mas, se a
pessoa for agressiva e tiver deficiência intelectual grave, a escola especial
pode ser mais indicada”, afirma o psiquiatra Daniel. Portanto, é essencial
respeitar a individualidade delas. Mas é importante saber: nenhuma instituição
de ensino, pública ou privada, pode recusar a matrícula.
E não são só os meninos
e meninas que devem ser acompanhados por especialistas. Receber o diagnóstico e
acompanhar o ritmo do tratamento pode ser desgastante para a família. Por isso,
os pais podem ser tratados e orientados por um psicólogo, que tentará diminuir
a ansiedade e o estresse. Como costumam se dedicar ao extremo ao filho com
autismo, o irmão pode se sentir preterido. Não se culpe, caso isso ocorra. O
terapeuta conseguirá sugerir uma solução para que todos se sintam amados – como
realmente são!
Diante do diagnóstico,
é comum que alguns pais da criança procurem tratamentos alternativos, que não
têm comprovação científica, para amenizar os sintomas. Um estudo publicado no
Journal of Developmental & Behaviour Pediatrics analisou 600 crianças, de 2
a 5 anos – sendo 453 com autismo e 125 com problemas de desenvolvimento. Os
cientistas descobriram que 40% delas usavam remédios homeopáticos, melatonina
ou terapias complementares, como meditação ou ioga - 10% a mais do que as
crianças sem o transtorno ou outra dificuldade no desenvolvimento.
Isso é prejudicial?
“Não há problema em tentar, apesar de não haver a certeza na melhora do quadro.
Depende da reação de cada criança: para algumas, certas terapias funcionam”,
explica Alysson Muotri, biólogo brasileiro que pesquisa a cura do autismo na
Universidade da Califórnia (EUA).
Causa e cura
A causa do autismo
ainda é estudada pelos cientistas. Muitos genes que indicam o transtorno já
foram identificados – mas ainda não podem ser detectados por exames que façam o
diagnóstico. “O que sabemos, atualmente, é que há uma mistura entre influências
genéticas e ambientais”, diz o psiquiatra. Infecções pós-parto, tumores, causas
endocrinológicas e metabólicas já foram associadas à causa do autismo – mas
ainda são especulações.
Recentemente, mais uma
hipótese foi levantada pelos cientistas da Universidade da Califórnia, em San
Diego (EUA), em estudo publicado no periódico New England Journal of Medicine.
Eles exploraram a arquitetura física do córtex humano (camada superficial do
cérebro) de 11 crianças com autismo e 11 sem o transtorno, na faixa etária de 2
a 15 anos. Ao examinar essa parte do cérebro, perceberam que as crianças
autistas tinham falhas justamente em
áreas que são responsáveis por funções comprometidas pelo transtorno – como
comunicação e interpretação social.
A desorganização foi
notada em 10 dos 11 pacientes com autismo e apenas em 1 dos 11 sem o
transtorno. “Pelo número pequeno de cérebros analisados, o estudo é considerado
exploratório. Mas, aparentemente, a maioria das falhas foi originada durante a
gestação, durante a migração das células que formariam as camadas do córtex”,
explica Muotri. Ainda não se sabe qual é a causa dessa falha que acontece no
segundo trimestre de gestação, quando a estrutura é formada. Especialistas
acreditam que possa ser decorrência do ambiente uterino, do código genético ou
uma mistura de ambos os fatores.
Os estudos que tentam
descobrir a cura do autismo, dirigidos por Muotri, representam a esperança para
as famílias. O biólogo usa uma técnica que transforma células de pessoas
adultas em células-tronco embrionárias, ou seja, que ainda não são
especializadas. Depois disso, é possível fazê-las se desenvolverem novamente e
diferenciá-las em células cerebrais. Como elas tiveram origem em um indivíduo
que já estava diagnosticado com um problema, é possível simular no laboratório
o funcionamento dos neurônios daquele paciente em comparação com uma pessoa sem
o transtorno.
A partir dessas
comparações, já se conseguiu identificar uma série de diferenças na estrutura
dos neurônios e como essas células respondem em conjunto (o que ajuda a
entender como funciona o cérebro desses pacientes). A maior parte das pesquisas
está sendo feita com portadores da síndrome de Rett, que também faz parte do
espectro autista.
Muotri reforça que o
estudo exige cuidado. “Nos próximos dois anos, iniciaremos a fase prática da
pesquisa. Começaremos testando o tratamento em adultos que não sejam autistas,
para analisar os possíveis efeitos dele”, conta.
Por
Luiza Tenente
Fonte
Revista Crescer
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